Arquivo para Mogi das Cruzes

No intériô

Posted in Fotografia, Teatro with tags , , , , , , , , , , , , on setembro 5, 2010 by lesdommag3rs

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(Rindo muito) Sim, sim. É possível. Quem vai acreditar, entretanto, quando eu disser que combinamos de terminar após um jantar inesquecível num restaurante em uma cidadezinha do intériô. Um grupo vocal apresentava, repetidamente, (Theme From) Love Story, de Mancini, acompanhado por um pianista sério e carrancudo. E eu com uma camiseta preta com a foto de Clarence Darrow, uma calça jeans meio agarrada, meio coisa de emo. E ela com um vestido preto, com um ar de moça fina — que ela sempre foi. Sempre. Tudo acabou — nosso relacionamento e o jantar — após umas duas horas. Em sincronia com a música. Como trapaças da solidão, se assim posso dizer. Numa noite clara. Clara e macia. O garçom atento à quase tudo, quase já deitando no chão, chorava com um lenço na mão.”

Sérgio C. Gelassen, Carne e osso: que mundo maravilhoso

Sérgio C. Gelassen

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , , , , on março 7, 2010 by lesdommag3rs

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Leva-se tempo para chegar até aquele lugar. Lugar estranho. Frio, embora seco. Frio, quase gelado. E onde impera um silêncio mortal. Mas pode-se ouvir as centenas de vozes — vozes persistentes, não obstante fossem silenciosas, mas certas de tudo que diziam. Os donos dos discursos, com tamanhos e idades diferentes, pareciam, aqui e ali, convergir em alguns pontos. Todos sabem conversar. Alguns mais, outros menos, com suas diferentes ideias, mas pareciam estar dispostos a dialogar, bastando, para tanto, haver visitantes interessados em procurá-los. Como eu dissera, leva-se algum tempo para chegar até lá. Quem construiu a casa ordenou que o recinto, grande, frio e de aparência estranha — inquietante, embora silencioso — não fosse acessível a qualquer um. Não mencionei os quadros — na verdade fotos emolduradas com vidro e madeira, dispostas como quadros. Talvez porque fique difícil me lembrar dos aproximadamente cinquenta que havia ali. E eram fotos em P&B. Os donos daquelas vozes aguardavam em silêncio, enfileirados. Uma mocinha muito bonita — a qual lembrava um gato branco que eu tive, pela magreza e olhos expressivos comum a ambos — permanecia parada, em pé, ouvindo uma das vozes silenciosas. Eu a chamei, primeiro em tom de voz baixo, discreto. Ela não ouviu. Então, num tom mais alto, eu disse “Moça…” Antes de virar para mim, ao passo que ela tentou fazê-lo, desapareceu. Ela lia um livro cujo título era “A Rosa Graciosa da Terra das Cruzes”. E eu cheguei até aqui para contar isso. Um momento: esqueci-me de dizer que ela caminhava com um jeito de moça delicadíssima que dança ballet. Com efeito, seus passos pareciam passos de ballet.”

Referência bibliográfica

Sérgio C. Gelassen, Tamiris